O arraiá da Castelobruxo era sempre um acontecimento. Nesse ano, a
diretora, Rovelina Santos, estava enérgica, enquanto dava ordens e reclamações
por toda escola. Os alunos que nasceram no Nordeste fizeram um abaixo-assinado
para que só tocassem forró, mas os do Sul disseram que não poderia faltar a música
nativista.
– O Sul nem tem
São João – disse Maria Clara a Vitória Belinky.
– Bah, mas temos
o bom vaneirão.
– E claro que
teremos sertanejo – disse Pedro João.
– Olha só – falou Rovelina. – A banda Remela de Mula-sem-cabeça
vai tocar os maiores sucessos deles. Pedirei para incluírem forró, sertanejo e
vaneirão, tá bom?
– E pode tocar forró
cambute*? – perguntou Frederico. (*trouxa)
– Tinha que ser
um cambotá* – falou Martim de Albuquerque, rolando os olhos. (*sangue-ruim)
– Não usamos esse palavreado, Martim! – reclamou a diretora. –
Menos 10 pontos para Arazul.
Os colegas da Arazul reclamaram com ele.
– Venham aqui, o grupo responsável pela decoração – falou a
professora Angélica Machado, de Feitiços e diretora da Casa Queronga. –
Precisamos de várias bandeirolas pra todo o salão. Vou lhes ensinar um feitiço
para fazê-las.
Um grupo de
alunos aproximou-se.
– Podemos fazer
uma barraca do beijo? – perguntou Aurélio.
– Não – disse a
diretora.
Os alunos começaram a reclamar. A diretora levantou a varinha e
estourou uma bobinha.
– Tá bom, mas a Inspetora Carmem vai supervisionar de perto.
As bandeirolas foram colocadas por todo o teto da escola, nos sete
andares. Enquanto faziam isso, o Romãozinho que habitava a escola, passava
balançando-as com seu vento e arrancando-as. Só conseguiram terminar o
trabalho, quando a professora de Defesa Contra a Artes Malignas, Matilde Silva,
apareceu, ameaçando prendê-lo no galinheiro. O serzinho deu uma cambalhota no
ar, mostrou a língua e sumiu, voando.
O professor de Magibotânica, Francisco Fontoura, arranjou cactos
que foram colocados por todos os lados e o professor de Transmorfogia, João Mendes,
fez com que eles cantarolassem forró quando alguém passava.
Durante o almoço daquele dia, houve uma comoção quando um
redemoinho apareceu pela Cantina e uma das tias da cozinha apareceu correndo, com
a varinha em punho. Ouviram uma risada enquanto um Saci desaparecia pela janela.
– Aquele patife azedou todo o mungunzá e o arroz-doce. Vamos ter
que fazer outro – disse ela, enfezada, voltando para cozinha.
No dia da festa, o último dia do trimestre, todos desceram para a
Cantina. Ela estava transformada em um grande terreiro. Uma fogueira que não
aquecia, nem soltava fumaça estava no meio dele. Fogos Curisco e Currupio, que não queimavam, nem faziam barulho, explodiam no
teto que se abria para um encantado céu noturno. Barraquinhas tinham pipoca,
mungunzá, canjica, maçã do amor, bolos(de milho, amendoim, paçoca, aipim),
cuscuz, arroz doce, milho cozido e assado, amendoim cozido, espetinhos de
carne, de frango, de coração, de moela, vários tipos de caldo. Uma barraquinha,
parecida com um boteco, tinha o nome Timbocaqui, onde serviam quentão virgem,
suco de jenipapo, sucos, bebidas gasosas.
A banda Remela de Mula Sem Cabeça subiu ao palco e os alunos
gritaram, aplaudiram, assobiaram. O vocalista apontou a varinha para garganta.
– Arraiá da Castelobruxo! Bão demais estar de volta à minha velha
escola. – Todos gritaram mais. – Cada um arraste seu par!
– Dança comigo? – perguntou Lúcio a Pedro. O colega sorriu e aceitou
a mão dele.
– Bora? – perguntou Fernando a Lícia.
– E desde quando um Queronga dança com uma Tabaçu?
– Sabe que eu não ligo pra essas coisas.
Ela pensou um pouco e eles foram para o meio da dança.
O candeeiro se apagou
O sanfoneiro cochilou
E a sanfona não parou
Porque alguém a enfeitiçou...
Depois houve a competição de quadrilhas. Cada Casa se apresentou,
por ordem de sorteio: Arazul, Sertã, Tabaçu e Queronga. O júri foi composto
pelos professores e a diretora. Arazul se destacou pelas vestes azuis se
transformarem em lindos vestidos floridos, no meio da dança. Os alunos da Sertã
fizeram aparecer cobras quando o animador gritou “Olha a cobra!” e as fez
desaparecer quando ele disse “É mentira”... Ao final, soltaram estrelas de várias
cores. A Casa Tabaçu fez uma quadrilha com carimbó e com as varinhas
movimentaram um boneco de boitatá que cuspiu chamas frias ao final. Todos no salão
aplaudiram, extasiados. A Casa Queronga fez uma quadrilha com vaneirão, com os
vestidos juninos se tornando as indumentárias tradicionais gaúchas em branco
brilhante, cor da Casa, com estrelas douradas.
Enquanto os jurados discutiam o vencedor, o show do Remela de
Mula-sem-cabeça retornou...
De vez em quando, alguém vinha pedindo pra mudar
E o sanfoneiro ria, querendo agradar
Diabo que a sanfona tinha qualquer feitiço!
Mas é que o sanfoneiro
Ele só tocava isso...
– Atenção! – disse a diretora Rovelina, quando a banda parou de novo.
– Temos o vencedor. – “EEEEEHHHHH!” – SIM! E o vencedor é... é... Tabaçu!
Os alunos da Casa gritaram, assobiaram, bateram palmas. Os outros,
alguns aplaudiram, reclamaram, xingaram. – Representantes da Casa, venham pegar
o prêmio!
Um garoto e uma garota do sétimo ano, presidentes da Casa, junto
com o prof. João, subiram no palco para pegar um troféu em formato de fogueira
com uma chaminha colorida encantada...
E a festa continuou.
Fizeram uma competição de pular fogueira, na qual o Romãozinho
aparecia e empurrava os alunos no fogo, fazendo-o perder a competição. Um poste
conjurado pelo prof. João tinha sido coberto por uma poção deslizadora e os
alunos deveriam tentar subir nele e alcançar a bandeira da escola, no topo, para
revelar um prêmio. Apenas um aluno, Marcos Freire, conseguiu chegar ao topo.
Puxou a bandeira e choveram pés de moleque, pés de moça, mini bolos de rolo,
balinhas de jenipapo.
Quando a noite já ia alta, a Inspetora Carmem pegou alunos na
barraquinha Timbocaqui tomando quentão batizado e licor, que tinham contrabandeado
para dentro da escola. Foi o fim da festa. A diretora subiu no palco, agradeceu
a banda e mandou todos para os dormitórios.
Imagem: Meta IA